quinta-feira, 29 de julho de 2010

RESENHA - SEXO POR COMPAIXÃO

RESENHA

SEXO POR COMPAIXÃO (Sexo por Compassíon)


Andréa Alves de Carvalho

Universidade Federal da Paraíba

aalvesc@ig.com.br



O filme, SEXO POR COMPAIXÃO (Sexo por Compassíon) é uma comédia dramática que se passa num vilarejo mexicano, contando a história de Dolores (interpretada pela atriz francesa Elisabeth Margoni), uma mulher madura de cerca de cinquenta anos. Reconhecida por todos como muito piedosa, por sua bondade excessiva, ela acaba abandonada pelo marido, Manolo (José Sancho), que não suporta mais tanta generosidade. Eles moram em um povoado desolado, onde reinam a tristeza e a resignação. Mesmo desesperada e querendo trazer seu amado de volta, ela acredita no futuro.

Um dia, Dolores resolve pecar pela primeira vez em sua vida. Ela acaba dormindo com um desconhecido que passou por aquelas bandas. Sem querer, ela lhe salva a vida e o suposto pecado converte-se em uma obra de caridade. Dolores - que muda de nome para Lolita - passa a dedicar sua vida às obras de caridade. Mas não as usuais, muito pelo contrário. Ela resolve entregar-se de corpo e alma ao povoado. Principalmente o corpo, já que passa a espalhar o bem ao fazer sexo com vários homens. E é a partir dessas relações sexuais por compaixão, como diz o título, que ela vai ajudar a devolver a cor e a alegria de um povoado que se encontra imerso em tristeza.

Numa brincadeira, o filme ganha cor e a cidade torna-se mais alegre, até Manolo, “marido da santa”, voltar e descobrir a nova ocupação da esposa. Revoltado, ele briga com ela e a tristeza volta a reinar. Em defesa de Dolores (e em busca da alegria que os maridos perderam), as mulheres do povoado decidem dar uma lição em Manolo, mostrando como é difícil o papel que sua esposa desempenha.

Uma velhinha, interpretada por Leticia Huijara, é responsável por arrancar várias gargalhadas do público, já que insiste em passear pelo vilarejo com seus passos trôpegos enquanto tira fotos nada discretas de tudo o que acontece: sua função seria a de mostrar a memória do vilarejo por meio de suas próprias lembranças de um lugar bonito, com pessoas muito alegres, que se mostra depois um lugar sem vida e triste.

O alegre universo criado pela diretora Laura Mañá tem espaço até mesmo para prostitutas itinerantes, que percorrem o interior do país em uma caminhonete vermelha trazendo o cartaz “Putas”. O filme é dirigido e escrito pela estreante Laura Maná, que atuou como roteirista. O roteiro é habitado por uma galeria de personagens interessantes e muito divertida.

O filme pode ser utilizado na sala de aula como auxílio à discussão, entre alunos/as e professores/as, de temáticas sobre as relações de gênero. Ele levanta a discussão sobre a misoginia — a aversão, o desprezo e o ódio às mulheres que abandonam suas qualidades ou atributos de feminilidade convencionais. Trata também do machismo e do poder do homem sobre a mulher; do sexismo, que é pautado no principio da superioridade de um gênero sobre o outro; do heterossexismo, que é uma forma de opressão e discriminação, baseada na orientação sexual e no binarismo ativo/passivo; da sexualidade, que está presente em todo filme, tanto pela generosidade de Lolita quanto através das prostitutas e outros personagens. A película envolve ainda outros temas: a identidade sexual e de gênero; a violência de gênero (visível nas ofensas que as prostitutas e que Lolita receberam); os estereótipos da mulher e do homem; as diferenças; as desigualdades; e as discriminações das mulheres prostitutas.

Duas atividades propostas são debates e discussões com perguntas e respostas. Outras atividades que professores/as podem fazer na sala seriam: explorar a linguagem que o filme aborda, trabalhando o significado das palavras que são ditas; anotar e destacar as cenas mais importantes, para a discussão de problemas como os seguintes:

Cena

Tema/ Problema

Questão Sugerida

Encontro entre as prostitutas e Lolita, reclamando que a protagonista tinha que cobrar pelo serviço que estava fazendo.

Prostituição

A prostituição é ou não uma profissão desejável?

Como introduzir crianças e jovens na temática da prostituição?

Quando as prostitutas chegam ao vilarejo e as mulheres começam a falar com os maridos.

Discriminação

Como tratar as prostitutas sem discriminá-las?

Quando marido descobre e começa a dizer que Lolita era puta.

Preconceito (Misoginia)

Qual a verdadeira função do preconceito contra pessoas cuja conduta sexual não é hegemônica?

A descoberta de Manolo sobre a prostituição de Dolores, que tem sua moradia apedrejada.

Violência

Por que as prostitutas são tantas vezes vítimas de violência? Por que são os homens quem apedreja?

Ao longo de todo o filme.

Sexualidade

Os(as) educadores(as) estão prontos para lidar com as manifestações da sexualidade de alunos(as)?

Logo após, é interessante que, atento/a para a faixa etária da turma, o/a professor/a faça uma síntese do debate com os/as seus/suas alunos/as, incluindo o que o conhecimento científico e as políticas públicas têm a dizer a respeito do tema.

Tudo no filme propicia elementos para que possam ser estudadas as relações de gênero, como o jogo sensual que é feito por algumas mulheres, os nomes dados aos personagens, o sugestivo título do filme e as cores que retratam a mudança de humor de Lolita.

A roteirista também brinca com os nomes dos personagens, já que cada um tem relação com o tema em questão; um exemplo disto são os nomes dados à personagem principal do filme: Dolores é associável ao sofrimento (significa “dores, pesares”, em Espanhol) e mesmo que tentasse ajudar as pessoas, passando lealdade e confiança por onde passava, sua vida pessoal era uma lamentação. Já o segundo nome que adota, Lolita, é um nome muito sensual e de forte impacto — Lolita foi título de um romance em língua inglesa, de autoria do escritor russo Vladimir Nabokov, publicado pela primeira vez em 1955, que trata de uma ninfeta e sua influência sobre o escritor, o que é ressaltado pelo fim trágico do personagem.

Outro ponto que o filme coloca é a critica às atitudes machistas típicas dos homens latino-americanos, que ganham um aspecto mais influente em comunidades conservadoras e pequenas, como a Lolita.

Tudo que foi visto no filme sugere que os/as professores/as possam respeitar a orientação sexual dos/as seus/suas alunos/as, a fim de trabalharem de uma forma que não tenha discriminação na sala de aula.

Também é possível relacionar as temáticas do filme à leitura de textos, para que as pessoas possam se aprofundar teoricamente no tema das relações de gênero na escola. Dentre a lista aqui apresentada (ver referências, ao final), dois sugeridos são: “Sexualidade na sala de aula: pedagogias escolares de professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental” (RIBEIRO; SOUZA; SOUZA, 2004) e “Sexualidade, prazeres e vulnerabilidade: implicações educativas” (MEYER; KLEIN; ANDRADE, 2007). Ambos estão nas nossas recomendações de leitura.

O primeiro texto corresponde a um estudo em que se analisam as pedagogias utilizadas por alguns educadores(as) das séries iniciais do Ensino Fundamental, tratando de questões referentes à sexualidade nas salas de aula, das práticas pedagógicas estabelecidas e de implicações de poder. Trata também de diversas estratégias pedagógicas que atuaram como mecanismo de interdição, controlando e regulando o que, como e quando se podia falar a respeito da sexualidade.

Já o segundo texto trata dos desafios que se colocam para educadores e educadoras dispostos a trabalhar temas vinculados a gênero e sexualidade na escola pela ótica da vulnerabilidade. Isto quer dizer que tais educadores(as), nos processos de vulnerabilidade, precisam produzir estratégias educativas de controle, prevenção da saúde e de desnaturalização de certos comportamentos sexuais e de gênero hegemônico e estratificados para que se possa fazer uma análise dos projetos educativos (no que se refere a localizar as crenças), a fim de criticar sua legitimação, operada pelo senso comum.

Com essas leituras e discussões sobre gênero e sexualidade, partindo de “Sexo por compaixão”, poderemos aprofundar a compreensão, o entendimento e as intenções de intervir a respeito do tema proposto.

Por toda essa riqueza, vale a pena ver este filme com seus alunos e alunas, colegas, mães e pais na comunidade escolar!


Referências:


· SOUZA, Diogo Onofre; RIBEIRO, Paula Regina Costa; SOUZA, Nádia Geisa Silveira de and Sexualidade na sala de aula: pedagogias escolares de professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental. Rev. Estud. Fem., Abr 2004, vol.12, no.1, p.109-129. Disponivel em : . Acesso em 26 de junho de 2009.

· MEYER, Dagmar E. E.; KLEIN, Carin; ANDRADE, Sandra dos Santos. Sexualidade, prazeres e vulnerabilidade: implicações educativas. Educação em Revista., Dez 2007, no. 46, p. 219-239. Disponivel em: . Acesso em 26 de junho de 2009.


Livros Recomendados:


· CARVALHO, Maria Eulina Pessoa; ANDRADE, Fernando Cézar Bezerra; MENEZES, Cristiame Souza. (Orgs). Equidade de Gênero e Diversidade Sexual na Escola: Por uma prática pedagógica inclusiva. João Pessoa-PB: Ed. Universitária / UFPB, 2009.

· CARVALHO, Maria Eulina Pessoa; ANDRADE, Fernando Cézar Bezerra; JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Gênero e Diversidade Sexual: Um Glossário. João Pessoa-PB: Ed. Universitária / UFPB, 2009.

· HENRIQUES, Ricardo; BRANDT, Maria Elisa Almeida; JUNQUEIRA, Rogério Diniz; CHAMUSCA, Adelaide (Org.). Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos. Brasília-DF: CADERNOS SECAD, 2007

· LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Petropolis,RJ: Vozes, 1997.


Artigos Recomendados:


· BERNSTEIN, Elizabeth. O significado da compra: desejo, demanda e o comércio do sexo. Cad. Pagu, Dez 2008, no.31, p.315-362. Disponível em: <http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso em 26 de junho de 2009.

· DEVREUX, Anne-Marie. A teoria das relações sociais de sexo: um quadro de análise sobre a dominação masculina. Soc. estado., Dez 2005, vol.20, no.3, p.561-584. Disponível em: <http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/. Acesso em 26 de junho de 2009.

· FORMIGA, Nilton S. Valores humanos e sexismo ambivalente. Rev. Dep. Psicol.,UFF, Dez 2007, vol.19, no.2, p.381-396. Disponível em: <http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso em 26 de junho de 2009.

· FORMIGA, Nilton S., Golveia, Valdiney V. and Santos, Maria Neusa dos Inventário de sexismo ambivalente: sua adaptação e relação com o gênero. Psicol. estud., Jun 2002, vol.7, no.1, p.103-111. Disponível em: http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/. Acesso em 26 de junho de 2009.

· NOGUEIRA, Luciana de Alcântara and Bellini, Luzia Marta Sexualidade e violência, o que é isso para jovens que vivem na rua?. Texto contexto - enferm., Dez 2006, vol.15, no.4, p.610-616. Disponível em: . Acesso em 26 de junho de 2009

· PASINI, Elisiane. Sexo para quase todos: a prostituição feminina na Vila Mimosa. Cad. Pagu, Dez 2005, n°.25, p.185-216. Disponível em: http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/. Acesso em 26 de junho de 2009.

· PEREIRA, Cristiana Schettini. Lavar, passar e receber visitas: debates sobre a regulamentação da prostituição e experiências de trabalho sexual em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, fim do século XIX. Cad. Pagu, Dez 2005, n°.25, p.25-54. Disponível em: . Acesso em 26 de junho de 2009.

· PISCITELLI, Adriana. Exotismo e autenticidade: relatos de viajantes à procura de sexo. Cad. Pagu, 2002, n°.19, p.195-231. Disponível em: . Acesso em 26 de junho de 2009.

· RODRIGUES, Marlene Teixeira. O sistema de justiça criminal e a prostituição no Brasil contemporâneo: administração de conflitos, discriminação e exclusão. Soc. Estado. Jun 2004, vol.19, n°.1, p.151-172. Disponível em: . Acesso em 26 de junho de 2009.

· RUSSO, Gláucia. No labirinto da prostituição: o dinheiro e seus aspectos simbólicos. Cad. CRH, Dez 2007, vol.20, n°.51, p.497-514. Disponível em: <>. Acesso em 26 de junho de 2009.


Sites de Livros:


http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154578por.pdf

http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154577POR.pdf

http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154581POR.pdf

http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001324/132480por.pdf

http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001432/143241POR.pdf

http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129720por.pdf

http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/escola_protege/caderno5.pdf


Sites Recomendados sobre o filme:


http://www.webcine.com.br/filmessi/sexopcom.htm

http://www.sitedecinema.com.br/conteudo/estreias_91.htm

http://dvdmagazine.virgula.uol.com.br/Resenhas_filmes/sexo_por_compaixao.htm

RESENHA


TUDO SOBRE MINHA MÃE (Tudo sobre mi madre)


Andréa Alves de Carvalho

aavesc@ig.com.br


“Tudo sobre minha mãe” (Todo sobre mi madre, Espanha/França, 1999) é um drama que lida com vários temas das relações de gênero e identidade sexual complexos como AIDS, drogas, doação de orgãos, violência contra homossexuais, travestis, bissexuais, homossexuais tanto femininos como masculinos, identidade sexual, prostituição, machismo, transexualidade, transgênero e existencialismo pela sua liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade das cenas.

Foi dirigido pelo cineasta, ator e argumentista espanhol Pedro Almodóvar Caballero que consegue transformar histórias em obras de arte únicas, de sensibilidade extrema e de enredos interessantes.

Almodóvar nunca pôde estudar cinema, pois nem ele nem sua família tinham dinheiro para pagar seus estudos. Antes de dirigir filmes, foi funcionário da companhia telefônica estatal, fez banda desenhada, ator de teatro avant-garde e cantor de uma banda de rock, da qual participava travestido. Foi o primeiro espanhol a ser indicado ao Oscar de melhor diretor. Homossexual assumido, seus filmes trazem a temática da sexualidade, abordada de maneira sublime.

O filme venceu vários premios nas categorias de melhor filme, melhor direção, melhor atriz (Cecilia Roht), melhor trilha sonora, melhor direção de produção, melhor montagem e melhor som. Também teve várias indicacões importantes nas categorias de melhor fotografia, melhor figurino, melhor maquiagem, melhor revelação/atriz (Antonia San Juan), melhor direção de arte, melhor roteiro original e melhor atriz coagjuvante (Candela Penã). Vencedor do Oscar e do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.

Em resumo, o roteiro apresenta, Manuela (Cecilia Roht), uma mãe solteira, que vive com seu filho, o adolescente e precoce escritor de dezesste anos Esteban (Eloy Azorin), ele possui um insepável bloco de anotações para escrever um conto sobre sua mãe. De presente ele pede para assistir aos seminários que ela fazia sobre transplantes de orgãos, também recebeu de presente de aniversário o bilhete de ingresso para ver a nova montagem da peça “Um bonde chamado desejo”, estrelado por Huma Rojo (Marisa Paredes, de que era fã.

Logo após a peça, na saída do teatro, Esteban fica esperando as estrelas saírem, para tentar conseguir um autógrafo, mas é atropelado morrendo em seguida. No seu trabalho, Manuela representa uma encenação de teatro no qual, faz uma mãe que tem que doar os orgãos de seu filho morto, sendo bem visivel nas cenas do filme. Pela ironia do destino agora, com o seu próprio filho morto ela tinha que transformar a cena que fazia do transplante de orgãos com a sua realidade.

Sozinha e sabendo que o filho queria conhecer o pai (uma travesti chamada Lola), começa a fazer o retorno a Barcelona, para dar a triste noticia.

No caminho, reencontra sua amiga travesti e ta,bém prostituta Agrado (Antonia San Juan), e tenta recomençar a vida sem o filho. No meio da sua jornada, envolve-se em dramas de amigos, como as lésbicas Huma Rojo e Nina (Candela Penã), que vive drogada. Manuela conhece a irmã Rosa uma freira que faz um trabalho assistencial com travestis e prostitutas e que se descobre grávida e com o vírus da AIDS; A enfermeira descide então deixar de lado sua tragédia pessoal para ajudá-los, também vai ao encontro de Huma, atriz que estava ligado a morte de seu filho.

O tempo todo o diretor brinca com as categorias esteriotipos do público: o marido tinha colocado um par de peitos, um pai era travesti, uma freira engravida (desse mesmo travesti). Segundo Maluf (2002), o que surpreende nessa película é a naturalidade: os escândalos e a transgressão aparecem e vão se tornando eles próprios objetos de atração e de identidade dos espectatores; isto é, as pessoas podem rever sua identidade de gênero em vários níveis, ver com outros olhos o mundo a respeito dos temas propostos e abordados nas cenas, revendo o seu preconceito (muitas vezes está escondido).

Não podemos deixar de comentar sobre alguns personagens do filme e vamos enfocar em especial dois deles: como uma ótima atuação de Marisa Paredes, tem um ar de melancolia e tristeza tão presente que parece não ser atriz algo intencional, mas natural. Outro que destacamos e que procura ser natural, autêntica e realista é Antonia San Juan, que interpreta a travesti Agrado.

Agrado segundo Maluf (2002), não busca o ocultamento, não faz de conta que é, mas se comporta como se sempre tivesse sido mulher reconhecendo-se assim. De acordo com a própria personagem, a sua afirmação pública é feita pela exibição de seu corpo exatamente pelo que ele é: um corpo transformado, fabricado, que aparece e se afirma como corpo modelado, não um corpo substantivo, objetificado, mas uma corporalidade, veículo e sentido da experiência. A autenticidade desse corpo, sua natureza segundo o próprio discurso de Agrado, estaria no processo que o fabricou.

Ao dizer que o que tem de mais autêntico é o silicone, Agrado está revelando que o autêntico nela é justamente produto de sua criação, da intervenção de seu desejo, de uma agência própria. Isto é, o corpo de Agrado está transformado por conta de um desejo pessoal de ser uma mulher autêntica, com linhas e traços femininas tanto psicológica como fisicamente.

Almodóvar mostra de forma brilhante o motivo pelo qual é considerado um dos maiores diretores da atualidade. O seu filme representa muito o novo mundo e a visão moderna que vai permitir aos homossexuais mostrarem cada vez mais seus dramas dentro da sociedade. A forma como ele coloca questões como corpo e gênero nos aportam elementos para repensar esses conceitos a partir da experiência de margem que é o fenômeno transgênero.

Portanto, a experiência de transgênero é um dos temas que possibilita uma renovação das nossas reflexões, dos conceitos e da própria teoria dentro do campo de estudos feministas e de gênero, porque em suas diferentes formas de manifestação, ela tem revelado aspectos das relações de gênero que durante muito tempo ficaram escondidos. S]ao esses aspectos que, segundo Maluf (2002), mais se sobressaem na reflexão sobre a experiência transgender, que estão ligados ao caráter artificial e fabricado do gênero e das diferenças de gênero, ou seja, de sua formação cultural, social e política.

O cineasta faz menção também a um outro personagem que só aparece no final da trama e que tem relação, direta ou indiretamente, com todos os personagens e histórias do filme: que é a travesti Lola, interpertado pelo autor Toni Cantó. Diante do que foi visto no fime este personagem é considerado pela autora desta resenha como uma pessoa que possui uma orientação sexual pansexual diferente da bissexual, caracterizada por atração estética potencial, pelo amor romântico e pelo desejo sexual por qualquer um, incluindo aquelas pessoas que não se encaixam na relação binária de gênero macho/fêmea (implicada na atração bissexual).Essa orientação também é descrita como a capacidade de amar uma pessoa de forma romântica, independente do gênero. A pansexualidade inclui adicionalmente atração por outros gêneros e sexos como os daqueles que se identificam como transgênero, ou como intersexo por serem indivíduos que possuem ambos os órgãos genitais (Wikipédia, 2009).

Assim, recomendo a todos(as) assistirem a “Tudo Sobre Minha Mãe” por nos mostrar uma história com situações e personagens únicos, e com um realismo que provoca risos e lágrimas. Indico esse filme para os estudos sobre a dinâmica das relações de gênero, envolvendo temas como: homossexualidade e bissexualidade em contextos sociais preconceituosos, traição, atração física, saudades, reforçamento intermitente no controle das relações amorosas, controle aversivo social para com as relações homossexuais, comportamento de confiança, determinação, reflexão de pessoas que se abdicam de seus interesses pelos outros e / ou pela sociedade, entre outros que já foram mencionados neste texto. É um filme com que certamente descobrimos algo sobre nós mesmos.



Sugestões Didáticas:


1. Antes de exibir o vídeo aos alunos, o professor deve assisti-lo para saber quais tématica abordadas.

2. Fazer algumas atividades sobre os assuntos abordados no filme na sala de aula:

· Atividade do “gosto ou não gosto”.

ü Objetivo:

Fazer com que os alunos respeitem os gostos que seus colegas têm.

ü O que o professor ou a professora faz:

Pedir para os alunos desenhar em um papel uma coisa de que gostam muito e outra de que não gostam. Enquanto isso o professor passa pela sala conhecendo melhor os alunos e demonstrando respeito pelas opiniões deles. Depois de um tempo pré-estabelecido, os alunos mostram para a classe os seus gostos (e se a classe for muito grande para um subgrupo da classe). Ao final, o professor faz um fechamento pedindo para que eles reparem os gostos diversos que sala em chamando a atenção para, o principal: é que cada um respeite o gosto do outro. O respeito passa a ser a chave das aulas, orientando-as: onde não importa o que o outro pense, diga ou goste, há que se respeitá-lo pelo que ele é.

· Atividade do jogo do toque

ü Objetivo:

Permitir maior interação e contato entre os adolescentes para descontração.

ü O que você faz:

1 - O facilitador solicita que o grupo fique no centro da sala, à vontade.

2 – Dá aos participantes comandos como: pé com pé, braço com braço, etc. Os participantes circulam, dançam, respondendo aos comandos.

ü Pontos para discussão:

a) Sensações captadas pelo contato com o outro.

b) Pessoas que sentem dificuldade de proximidade com os outros.

c) Sentimentos agradáveis (ou desagradáveis) durante o contato com diversos participantes?

ü Resultados esperados:

Proporcionar o contato entre os adolescentes, de forma agradável, sem abuso ou preconceito.

s:

3. Ministrar uma aula sobre educação sexual na sala, abordando os seguintes temas:

· Corpo (feminino e masculino);

· Orgãos Genitais;

· Doenças Sexualmente Transmissíveis (AIDS, etc.);

· Grávidez Indesejada;

· Prevenção de doenças e da grávidez;

· Homoparentabilidade;

· Trangeneridade;

· Identidade sexual/ Orientação sexual.

4. Fazer uma abordagem acerca das Relações e Conceitos de Gênero e Diversidade.

5. Apresentação do vídeo “Tudo sobre minha mãe” e debate.

6. Pedir que os alunos descrevam os temas de que o filme trata e, em seguida, fazer uma reflexão individual:

Tema

Reflexão individual

7. Fazer uma discussão com os alunos a respeito dos temas que o filme aborda através de questionamentos:

a) Como você reagiria se soubesse que na sala de aula houvesse um colega homossexual ou uma colega travesti?

b) Você conhece alguém homossexual? Se positivo, como é sua relação com ele ou ela?

c) Como você previne a gravidez ou as doenças sexualmente transmissíveis?

d) Você respeita a orientação sexual de seu colega?

e)

8. Propor na aula um lugar para os tímidos e anônimos (Colocar uma caixa onde os alunos possam deixar bilhetes com perguntas, ou então escrever que dúvidas têm a respeito da temática que são recolhidos ao final da aula.


Referências:


MALUF, Sônia Weidner. Corporalidade e desejo: Tudo sobre minha mãe e o gênero na margem. Revista Estudos Feministas. 2002, vol.10, n.1, pp. 143-153. Disponível em: . Acesso em: 18 de setembro de 2009.

Wikipédia. Pansexualidade. Disponivel em: . Acesso em 18 de setembro de 2009.


Sugestões de Leituras:


BRASIL. Gênero e diversidade sexual na escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos. Cadernos SECAD n. 4. Brasília: Ministério da Educação, 2007.

MALUF, Sônia Weidner. Corporalidade e desejo: Tudo sobre minha mãe e o gênero na margem. Revista Estudos Feministas. 2002, vol.10, n.1, pp. 143-153. Disponível em: . Acesso em: 18 de setembro de 2009.


terça-feira, 24 de novembro de 2009

RESENHA “ASSUNTO DE MENINAS”

Kally Samara Medeiros Silva Gomes

Para você que gosta de uma boa dose de romance aliada a uma pitada de drama, não pode deixar de assistir este excelente filme: “Lost and Delirious” ou “Assunto de Meninas”. A produção franconorteamericana é de 2001, tem direção de Léa Pool e conta à história de Mary Bradford, uma menina muito tímida e quieta que se vê completamente perdida após a morte de sua mãe. O filme se desenvolve a partir daí e nele um cenário de amor e ódio, homofobia e aceitação é desenhado bem aos olhos da jovem “Mouse”. Sob a temática da homossexualidade, o filme narra a triste perseguição e homofobia que sofrem muitos homossexuais — no caso do filme, um casal lésbico.
Resenha do filme

Um dos desafios enfrentados atualmente é o da edificação de uma sociedade inclusiva e democrática, que contribua para que as pessoas possam compartilhar suas diferenças, respeitando as diversidades existentes. Nesse sentido, discutir e problematizar as relações de gênero e a sexualidade é uma das condições indispensáveis para a desconstrução e superação de estereótipos e de preconceitos que tem gerado desigualdades entre as pessoas.

É importante perceber que, apesar de homens e mulheres possuírem corpos cujas distinções genitais os agrupam em dois conjuntos bem gerais, as qualidades, as habilidades, os gostos pessoais, o temperamento e o caráter sempre variam entre os indivíduos e não são determinados pelo sexo biológico (CARVALHO, 2000).

No entanto, ao lançar um olhar mais atento ao filme, pode-se perceber o desrespeito pela orientação sexual de Paulie e Tory. Afinal, a escolha do parceiro ou da parceira dependerá da orientação sexual de cada pessoa e não do seu sexo biológico. Desse modo, essa orientação é um elemento importante da identidade sexual, definida pela forma de cada um viver seus desejos e prazeres, ou seja, sua sexualidade. No nível social, há pouca tolerância com as variáveis expressões de orientação sexual: verifica-se a tendência a uma obrigação em identificar os indivíduos em uma categoria fixa, constituindo-se a heterossexualidade em norma e se condenando outras orientações, como a homossexual ou a bissexual. A intenção, geralmente, é discriminar ou marginalizar de algum modo o indivíduo que foge dos padrões estabelecidos culturalmente.

Nesse contexto, é útil analisar algumas definições e conceitos básicos a respeito do filme. O termo homofobia refere-se à manifestação de preconceito e discriminação negativos, aversão, hostilidade, práticas estigmatizantes, exclusão e violência contra pessoas de orientação homoerótica, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, assim como contra todas as pessoas (inclusive heterossexuais) cujas expressões de masculinidade e feminilidade não se enquadrem no padrão heterossexual e nos papéis/estereótipos de gênero (CARVALHO; ANDRADE; MENEZES, 2009, p.21). Já o termo lesbofobia (ou lesbifobia), segundo a enciclopédia Wikipédia, inclui várias formas de negatividade em relação às mulheres como indivíduos, como um casal ou como um grupo social. Com base nas categorias de sexo ou gênero biológico, orientação sexual, identidade lésbica e expressão de gênero, esta negatividade engloba preconceito, discriminação e abuso, além de atitudes e sentimentos variando de desdém a hostilidade. O termo identidade sexual/gênero refere-se à sensação interna de um indivíduo sobre ser masculino ou feminino, menino ou menina, homem ou mulher. Como a orientação sexual, a identidade sexual baseia-se em construções psicológicas conscientes e inconscientes profundas.

O termo orientação sexual refere-se aos desejos e preferências de um indivíduo no que diz respeito ao sexo dos parceiros íntimos. São reconhecidos três tipos de orientações sexuais: a heterossexualidade (atração física e emocional pelo sexo oposto); a homossexualidade (atração física e emocional pelo mesmo sexo); e a bissexualidade (atração física e emocional tanto pelo mesmo sexo quanto pelo sexo oposto) (BARRETO; ARAÚJO; PEREIRA, 2009).
Já o termo “lésbica” refere-se à identidade social modernamente atribuída à mulher de orientação sexual homossexual, ou seja, que se relaciona sexual ou afetivo-sexualmente com outras mulheres (CARVALHO; ANDRADE; MENEZES, 2009, p.30).

Desse modo, a lesbianidade foi definida por Garcia (2003) ora como amor entre mulheres, ora como uma prática sexual destas entre si. De fato, conforme Mott (1987), a maioria das lésbicas não persegue o prazer sexual como finalidade única na relação com a companheira; seus objetivos são níveis profundos de comunicação, ternura, carinho e delicadeza. Então, a amizade é que se torna sexualizada, pois a relação sexual nasce de um sentimento profundo que tem por base o amor (PALMA; LEVANDOWSKI, 2008). Assim nesse contexto, enquadra-se o relacionamento entre as personagens do filme, Paulie e Tory, evidenciado pela reciprocidade do verdadeiro amor existente entre ambas, em detrimento ao prazer sexual.

A partir da ideia exposta, pode-se constatar que um casal de mulheres é marcado por um intenso companheirismo, com forte ênfase no apoio mútuo. Em geral, as lésbicas não sofrem perseguição aberta como os homens homossexuais, porém o silêncio que existe em torno da lesbianidade e a invisibilidade a que as lésbicas estão submetidas são uma das piores formas de opressão. Essa opressão é apresentada no filme através do silêncio das personagens, como também da dificuldade em assumirem sua verdadeira orientação sexual, já que a sexualidade vivenciada por elas não é a que a sociedade espera que seja.

Mott (1987) enfatiza que poucas famílias aceitam e convivem bem com membros de orientação sexual homossexual, estando mais presentes à intolerância e o inconformismo. O autor ainda comenta que, para a grande maioria das lésbicas, a família acaba por se constituir, na maioria das vezes, uma das principais preocupações, como repressora ou como cobradora de compromissos heterossexuais. (PALMA; LEVANDOWSKI, 2008). Isso é mostrado no filme através da força do medo da personagem Tory em assumir seu sentimento, receando uma possível rejeição da família e dos amigos.

Assim, a grande maioria dos pais que tem filhas homossexuais parece esperar uma mudança nessa orientação sexual. Com isso, acaba predominando a intransigência, constituindo-se a família a principal preocupação, seja como fonte de repressão, seja como cobradora de compromissos sociais heterossexuais. Desse modo, fica evidente que na maior parte das vezes as famílias operam a partir de uma crença de que todos os filhos serão heterossexuais e crescerão seguindo estilos de vida e vivências desse tipo.

“Assunto de Meninas” explora com sensibilidade e veracidade como o preconceito e o medo podem interferir na vida das pessoas, a ponto de vencer um sentimento sincero e profundo que é o amor, revertendo-o em algo extremamente doloroso.

Nesse sentido, o filme contribui significativamente para os profissionais que atuam na educação, tendo em vista que desde a Educação Infantil, as crianças e adolescentes devem estudar, discutir, refletir, sobre as questões de gênero, classe, raça/etnia e orientação sexual, tendo continuidade destes conteúdos, em todos os níveis de ensino. Acredita-se que a educação é uma das ferramentas de transformação desta sociedade que exige um padrão de “normalidade”, que acaba privilegiando quem é homem, branco, que tem dinheiro, que tem um padrão estético de beleza exigido pelas passarelas da moda vigente: alto e alta, magra e magro, “boa aparência” (isto significa ser branca, magra e de cabelos lisos). Até quando vamos ser coniventes com esta hipocrisia que classifica as pessoas pela cor, pelas propriedades que possui, e pela sua orientação sexual? Enquanto a mudança não acontece, a exclusão continua.

Referências:

BARRETO, Andreia; ARAÚJO, Leila; PEREIRA, Maria Elisabete (orgs). Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Rio de Janeiro: CEPESC, 2009.

CARVALHO, Maria Eulina Pessoa; ANDRADE, Fernando Cézar Bezerra; MENEZES, Cristiane Souza. (Orgs). Equidade de Gênero e Diversidade Sexual na Escola: Por uma prática pedagógica inclusiva. João Pessoa-PB: Ed. Universitária / UFPB, 2009.

CARVALHO, Maria Eulina Pessoa; ANDRADE, Fernando Cézar Bezerra; JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Gênero e Diversidade Sexual: Um Glossário. João Pessoa-PB: Ed. Universitária / UFPB, 2009.

PALMA, Yáskara Arrial; LEVANDOWSKI, Daniela Centenaro. Vivências pessoais e familiares de homossexuais femininas. Psicol. estud., Maringá, v. 13, n. 4, dez. 2008 . Disponível em Acesso em 10 nov. 2009. Doi: 10.1590/S1413-73722008000400015.

Outras leituras:

HYPERLINK http: //www.cinema.cineclick.uol.com.br Acessado em: 04/11/2009.

HYPERLINK http: //www.letrasdefilmes.com.br Acessado em 03/11/20009.

HYPERLINK http: //www.wikipedia.org/wiki/Lesbofobia Acessado em 16/11/20009.