RESENHA
SEXO POR COMPAIXÃO (Sexo por Compassíon)
Andréa Alves de Carvalho
Universidade Federal da Paraíba
O filme, SEXO POR COMPAIXÃO (Sexo por Compassíon) é uma comédia dramática que se passa num vilarejo mexicano, contando a história de Dolores (interpretada pela atriz francesa Elisabeth Margoni), uma mulher madura de cerca de cinquenta anos. Reconhecida por todos como muito piedosa, por sua bondade excessiva, ela acaba abandonada pelo marido, Manolo (José Sancho), que não suporta mais tanta generosidade. Eles moram em um povoado desolado, onde reinam a tristeza e a resignação. Mesmo desesperada e querendo trazer seu amado de volta, ela acredita no futuro.
Um dia, Dolores resolve pecar pela primeira vez em sua vida. Ela acaba dormindo com um desconhecido que passou por aquelas bandas. Sem querer, ela lhe salva a vida e o suposto pecado converte-se em uma obra de caridade. Dolores - que muda de nome para Lolita - passa a dedicar sua vida às obras de caridade. Mas não as usuais, muito pelo contrário. Ela resolve entregar-se de corpo e alma ao povoado. Principalmente o corpo, já que passa a espalhar o bem ao fazer sexo com vários homens. E é a partir dessas relações sexuais por compaixão, como diz o título, que ela vai ajudar a devolver a cor e a alegria de um povoado que se encontra imerso em tristeza.
Numa brincadeira, o filme ganha cor e a cidade torna-se mais alegre, até Manolo, “marido da santa”, voltar e descobrir a nova ocupação da esposa. Revoltado, ele briga com ela e a tristeza volta a reinar. Em defesa de Dolores (e em busca da alegria que os maridos perderam), as mulheres do povoado decidem dar uma lição em Manolo, mostrando como é difícil o papel que sua esposa desempenha.
Uma velhinha, interpretada por Leticia Huijara, é responsável por arrancar várias gargalhadas do público, já que insiste em passear pelo vilarejo com seus passos trôpegos enquanto tira fotos nada discretas de tudo o que acontece: sua função seria a de mostrar a memória do vilarejo por meio de suas próprias lembranças de um lugar bonito, com pessoas muito alegres, que se mostra depois um lugar sem vida e triste.
O alegre universo criado pela diretora Laura Mañá tem espaço até mesmo para prostitutas itinerantes, que percorrem o interior do país em uma caminhonete vermelha trazendo o cartaz “Putas”. O filme é dirigido e escrito pela estreante Laura Maná, que atuou como roteirista. O roteiro é habitado por uma galeria de personagens interessantes e muito divertida.
O filme pode ser utilizado na sala de aula como auxílio à discussão, entre alunos/as e professores/as, de temáticas sobre as relações de gênero. Ele levanta a discussão sobre a misoginia — a aversão, o desprezo e o ódio às mulheres que abandonam suas qualidades ou atributos de feminilidade convencionais. Trata também do machismo e do poder do homem sobre a mulher; do sexismo, que é pautado no principio da superioridade de um gênero sobre o outro; do heterossexismo, que é uma forma de opressão e discriminação, baseada na orientação sexual e no binarismo ativo/passivo; da sexualidade, que está presente em todo filme, tanto pela generosidade de Lolita quanto através das prostitutas e outros personagens. A película envolve ainda outros temas: a identidade sexual e de gênero; a violência de gênero (visível nas ofensas que as prostitutas e que Lolita receberam); os estereótipos da mulher e do homem; as diferenças; as desigualdades; e as discriminações das mulheres prostitutas.
Duas atividades propostas são debates e discussões com perguntas e respostas. Outras atividades que professores/as podem fazer na sala seriam: explorar a linguagem que o filme aborda, trabalhando o significado das palavras que são ditas; anotar e destacar as cenas mais importantes, para a discussão de problemas como os seguintes:
Cena | Tema/ Problema | Questão Sugerida |
Encontro entre as prostitutas e Lolita, reclamando que a protagonista tinha que cobrar pelo serviço que estava fazendo. | Prostituição | A prostituição é ou não uma profissão desejável? Como introduzir crianças e jovens na temática da prostituição? |
Quando as prostitutas chegam ao vilarejo e as mulheres começam a falar com os maridos. | Discriminação | Como tratar as prostitutas sem discriminá-las? |
Quando marido descobre e começa a dizer que Lolita era puta. | Preconceito (Misoginia) | Qual a verdadeira função do preconceito contra pessoas cuja conduta sexual não é hegemônica? |
A descoberta de Manolo sobre a prostituição de Dolores, que tem sua moradia apedrejada. | Violência | Por que as prostitutas são tantas vezes vítimas de violência? Por que são os homens quem apedreja? |
Ao longo de todo o filme. | Sexualidade | Os(as) educadores(as) estão prontos para lidar com as manifestações da sexualidade de alunos(as)? |
Logo após, é interessante que, atento/a para a faixa etária da turma, o/a professor/a faça uma síntese do debate com os/as seus/suas alunos/as, incluindo o que o conhecimento científico e as políticas públicas têm a dizer a respeito do tema.
Tudo no filme propicia elementos para que possam ser estudadas as relações de gênero, como o jogo sensual que é feito por algumas mulheres, os nomes dados aos personagens, o sugestivo título do filme e as cores que retratam a mudança de humor de Lolita.
A roteirista também brinca com os nomes dos personagens, já que cada um tem relação com o tema em questão; um exemplo disto são os nomes dados à personagem principal do filme: Dolores é associável ao sofrimento (significa “dores, pesares”, em Espanhol) e mesmo que tentasse ajudar as pessoas, passando lealdade e confiança por onde passava, sua vida pessoal era uma lamentação. Já o segundo nome que adota, Lolita, é um nome muito sensual e de forte impacto — Lolita foi título de um romance em língua inglesa, de autoria do escritor russo Vladimir Nabokov, publicado pela primeira vez em 1955, que trata de uma ninfeta e sua influência sobre o escritor, o que é ressaltado pelo fim trágico do personagem.
Outro ponto que o filme coloca é a critica às atitudes machistas típicas dos homens latino-americanos, que ganham um aspecto mais influente em comunidades conservadoras e pequenas, como a Lolita.
Tudo que foi visto no filme sugere que os/as professores/as possam respeitar a orientação sexual dos/as seus/suas alunos/as, a fim de trabalharem de uma forma que não tenha discriminação na sala de aula.
Também é possível relacionar as temáticas do filme à leitura de textos, para que as pessoas possam se aprofundar teoricamente no tema das relações de gênero na escola. Dentre a lista aqui apresentada (ver referências, ao final), dois sugeridos são: “Sexualidade na sala de aula: pedagogias escolares de professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental” (RIBEIRO; SOUZA; SOUZA, 2004) e “Sexualidade, prazeres e vulnerabilidade: implicações educativas” (MEYER; KLEIN; ANDRADE, 2007). Ambos estão nas nossas recomendações de leitura.
O primeiro texto corresponde a um estudo em que se analisam as pedagogias utilizadas por alguns educadores(as) das séries iniciais do Ensino Fundamental, tratando de questões referentes à sexualidade nas salas de aula, das práticas pedagógicas estabelecidas e de implicações de poder. Trata também de diversas estratégias pedagógicas que atuaram como mecanismo de interdição, controlando e regulando o que, como e quando se podia falar a respeito da sexualidade.
Já o segundo texto trata dos desafios que se colocam para educadores e educadoras dispostos a trabalhar temas vinculados a gênero e sexualidade na escola pela ótica da vulnerabilidade. Isto quer dizer que tais educadores(as), nos processos de vulnerabilidade, precisam produzir estratégias educativas de controle, prevenção da saúde e de desnaturalização de certos comportamentos sexuais e de gênero hegemônico e estratificados para que se possa fazer uma análise dos projetos educativos (no que se refere a localizar as crenças), a fim de criticar sua legitimação, operada pelo senso comum.
Com essas leituras e discussões sobre gênero e sexualidade, partindo de “Sexo por compaixão”, poderemos aprofundar a compreensão, o entendimento e as intenções de intervir a respeito do tema proposto.
Por toda essa riqueza, vale a pena ver este filme com seus alunos e alunas, colegas, mães e pais na comunidade escolar!
Referências:
· SOUZA, Diogo Onofre; RIBEIRO, Paula Regina Costa; SOUZA, Nádia Geisa Silveira de and Sexualidade na sala de aula: pedagogias escolares de professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental. Rev. Estud. Fem., Abr 2004, vol.12, no.1, p.109-129. Disponivel em :
· MEYER, Dagmar E. E.; KLEIN, Carin; ANDRADE, Sandra dos Santos. Sexualidade, prazeres e vulnerabilidade: implicações educativas. Educação
Livros Recomendados:
· CARVALHO, Maria Eulina Pessoa; ANDRADE, Fernando Cézar Bezerra; MENEZES, Cristiame Souza. (Orgs). Equidade de Gênero e Diversidade Sexual na Escola: Por uma prática pedagógica inclusiva. João Pessoa-PB: Ed. Universitária / UFPB, 2009.
· CARVALHO, Maria Eulina Pessoa; ANDRADE, Fernando Cézar Bezerra; JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Gênero e Diversidade Sexual: Um Glossário. João Pessoa-PB: Ed. Universitária / UFPB, 2009.
· HENRIQUES, Ricardo; BRANDT, Maria Elisa Almeida; JUNQUEIRA, Rogério Diniz; CHAMUSCA, Adelaide (Org.). Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos. Brasília-DF: CADERNOS SECAD, 2007
· LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Petropolis,RJ: Vozes, 1997.
Artigos Recomendados:
· BERNSTEIN, Elizabeth. O significado da compra: desejo, demanda e o comércio do sexo. Cad. Pagu, Dez 2008, no.31, p.315-362. Disponível em: <http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso em 26 de junho de 2009.
· DEVREUX, Anne-Marie. A teoria das relações sociais de sexo: um quadro de análise sobre a dominação masculina. Soc. estado., Dez 2005, vol.20, no.3, p.561-584. Disponível em: <http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/. Acesso em 26 de junho de 2009.
· FORMIGA, Nilton S. Valores humanos e sexismo ambivalente. Rev. Dep. Psicol.,UFF, Dez 2007, vol.19, no.2, p.381-396. Disponível em: <http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso em 26 de junho de 2009.
· FORMIGA, Nilton S., Golveia, Valdiney V. and Santos, Maria Neusa dos Inventário de sexismo ambivalente: sua adaptação e relação com o gênero. Psicol. estud., Jun 2002, vol.7, no.1, p.103-111. Disponível em: http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/. Acesso em 26 de junho de 2009.
· NOGUEIRA, Luciana de Alcântara and Bellini, Luzia Marta Sexualidade e violência, o que é isso para jovens que vivem na rua?. Texto contexto - enferm., Dez 2006, vol.15, no.4, p.610-616. Disponível em:
· PASINI, Elisiane. Sexo para quase todos: a prostituição feminina na Vila Mimosa. Cad. Pagu, Dez 2005, n°.25, p.185-216. Disponível em: http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/. Acesso em 26 de junho de 2009.
· PEREIRA, Cristiana Schettini. Lavar, passar e receber visitas: debates sobre a regulamentação da prostituição e experiências de trabalho sexual
· PISCITELLI, Adriana. Exotismo e autenticidade: relatos de viajantes à procura de sexo. Cad. Pagu, 2002, n°.19, p.195-231. Disponível em:
· RODRIGUES, Marlene Teixeira. O sistema de justiça criminal e a prostituição no Brasil contemporâneo: administração de conflitos, discriminação e exclusão. Soc. Estado. Jun 2004, vol.19, n°.1, p.151-172. Disponível em:
· RUSSO, Gláucia. No labirinto da prostituição: o dinheiro e seus aspectos simbólicos. Cad. CRH, Dez 2007, vol.20, n°.51, p.497-514. Disponível em: <>. Acesso em 26 de junho de 2009.
Sites de Livros:
http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154578por.pdf
http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154577POR.pdf
http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154581POR.pdf
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001324/132480por.pdf
http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001432/143241POR.pdf
http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129720por.pdf
http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/escola_protege/caderno5.pdf
Sites Recomendados sobre o filme:
http://www.webcine.com.br/filmessi/sexopcom.htm
http://www.sitedecinema.com.br/conteudo/estreias_91.htm
http://dvdmagazine.virgula.uol.com.br/Resenhas_filmes/sexo_por_compaixao.htm