“Transamérica” explora as contradições da moral americana.
Resenha do filme “Transamérica” (EUA, 2005)
Resenha do filme “Transamérica” (EUA, 2005)
Kally Samara Medeiros Silva Gomes
Há filmes sobre pais que descobrem que possuem filhos já adultos; há filmes sobre filhos que sonham um dia em encontrar seu verdadeiro pai; há filmes sobre preconceito em relação à orientação sexual; há filmes sobre pessoas que não conseguem se sentir satisfeitas com o seu corpo; há filmes sobre transexuais (embora muito raros); e há “Transamérica”, que reúne todos esses filmes num só.
Sinopse
Sinopse
Bree (Felicity Huffman) é uma transsexual que, antes de mudar de sexo, fez um filho. O garoto, Toby (Kevin Zegers), é agora um adolescente que sonha encontrar o pai que nunca conheceu. Os dois se encontram - sem que ele saiba sobre a identidade verdadeira de Bree - e partem, juntos, numa viagem de carro a Los Angeles.
Um pouco da história...
Bree, que nasceu Stanley, aprende a entonar a sua voz feminina durante as cenas iniciais. Ele está prestes a se tornar definitivamente ela graças a uma operação de mudança de sexo na Califórnia. Tudo está mais ou menos pronto, quando ela recebe uma ligação de um reformatório juvenil em Nova York, dizendo que um meliante acaba de ser preso por traficar drogas e se prostituir, e alega ser filho de Stanley.
Bem, apesar de ter um pênis, Bree o considera nojento e se lembra que na época da faculdade teve um sexo "quase lésbico" com uma colega, que vem a ser a mãe de Toby, o delinqüente juvenil e drogado. Bree pensa em esquecer essa história, mas sua analista a intima a conhecer o garoto: caso contrário, ela não assinará a autorização para a operação.
Através de vários "pequenos detalhes", o roteiro transporta para a tela, de uma forma bem natural, uma história que poderia ser "difícil" aos mais puritanos. O pai de Bree, que parece ser amoroso, porém fraco, diz que eles a amam. Mas a mãe dominadora fala logo em seguida que eles não a respeitam. Não é uma comédia, apesar de fazer rir em alguns momentos, e não é um dramalhão, apesar de tratar de um tema complexo.
Bree faz a operação. Sente-se realizada ao tocar o seu novo sexo na banheira e começa definitivamente uma vida nova. Com o filho. Final feliz, mas até chegar nele, o filme já tinha jogado vários questionamentos para os espectadores, o que vale o tempo desprendido para apreciá-lo.
Nesse sentido, é útil analisar algumas definições e conceitos básicos relacionados ao filme. O termo identidade sexual / de gênero refere-se à sensação interna de um indivíduo sobre ser masculino ou feminino, menino ou menina, homem ou mulher. Quando a identidade sexual não coincide com o sexo biológico, um indivíduo pode apresentar sofrimento psicológico significativo, o que se denomina disforia sexual.
O termo orientação sexual refere-se aos desejos e preferências de um indivíduo no que diz respeito ao sexo dos parceiros íntimos. Como a identidade sexual, a orientação sexual se baseia em construções psicológicas conscientes e inconscientes profundas. No nível social, há notavelmente pouca tolerância com as variáveis expressões de orientação sexual e tende a haver uma obrigação em identificar os indivíduos em uma categoria fixa, seja ela homossexual, bissexual ou heterossexual, com ênfase normativa nesta última categoria (o chamado heterossexismo). A intenção, geralmente, é expulsar ou marginalizar de algum modo o indivíduo que foge dos padrões estabelecidos culturalmente.
“O transexualismo (sic) é uma total inversão de identidade de gênero e o objetivo é a mudança de toda a maneira de viver, com todas as conotações sociais, muito além do que uma transformação cirúrgica possa oferecer. Os transexuais, algumas vezes, dizem que a cirurgia não tem como objetivo principal uma vida sexual ativa, mas sim igualar a aparência de seu corpo com a sua imagem interna do mesmo.” (ATHAYDE,2001,p.411).
As pessoas que não correspondem ao que, a partir do seu sexo biológico, delas é em geral esperado (nomeadamente, o tipo de roupas que usam e os seus maneirismos e atitudes) são ainda hoje discriminadas, agredidas, insultadas e inferiorizadas por terem um comportamento diferente da maioria. Nesse sentido, podemos perceber que a cultura ocidental moderna privilegia a diferença sexual como suporte primordial e imutável da identidade de gênero. Segundo este ponto de vista, as distinções anatômicas expressariam uma grande linha divisória que separaria homens e mulheres, concebidos nesses termos, como corpos, como sujeitos fundamentalmente diferentes e, assim, destinados a abrigarem e a desenvolverem emoções, atitudes, condutas e vocações distintas. Isto explicaria por que a decisão de alguém de romper com esta suposta determinação do sexo biológico, empreendendo uma transição do masculino ao feminino e vice-versa, cause escândalo e gere violência e perseguição.
A distinção radical e absoluta entre homens e mulheres coloca-se como parâmetro de normalidade no que se refere ao gênero, adaptando qualquer ambigüidade corporal e formando condutas coerentes com o ideal do casal heterossexual reprodutor. Homens “normais” devem se sentir “masculinos” e mulheres “normais” devem se sentir “femininas”. Porém, tudo aquilo que foge a esse parâmetro de normalidade tende a ser considerado “desvio”, “transtorno”, “perturbação”.
Assim, nesse contexto enquadra-se Bree, que se identificava com o gênero diferente daquele que lhe foi imposto a partir do seu nascimento, e que conseqüentemente desejou e efetuou uma cirurgia reparadora de mudança de sexo e que passou a ser vista como um exemplo “desviante” em relação à norma de gênero, rompendo, portanto com os parâmetros de normalidades construídos social e culturalmente.
Cardoso (2005), em seu artigo intitulado “Inversões do papel de gênero: ‘drag queens’, travestismo e transexualismo”, fundamenta seus argumentos com a seguinte citação:
Benjamin (1966), ao longo de sua experiência clínica, sugere quatro motivos básicos que levam os transexuais a optarem pela cirurgia de conversão genital:
1. Por motivo sexual. Normalmente, trata-se de transexuais jovens que não se percebem no papel de um homossexual, mas no de uma mulher heterossexual em um corpo de homem. Esses jovens não têm interesse por outros homens homossexuais, e sim por homens heterossexuais.
2. Por motivo de gênero. Em geral, os transexuais mais velhos é que são motivados a procurar alívio para sua urgente e persistente necessidade de adequar-se ao gênero feminino, o que demanda muito tempo e dinheiro em artifícios cosméticos e estéticos.
3. Por motivo legal. Aqueles que vivem em constante receio de serem descobertos, presos ou perseguidos enquanto se passam por mulheres em sua vizinhança ou em seu grupo social.
4. Por motivo social. Aqueles transexuais que realmente apresentam quase todos os requisitos do outro sexo em termos físicos, comportamentais e psicológicos, o que torna quase impossível identificá-los. Tal situação pode ser muito constrangedora quando estes se envolvem afetivamente com possíveis parceiros heterossexuais.(CARDOSO,2005,p.427).
É importante novamente chamar a atenção: a transexualidade não é uma orientação sexual, e sim uma questão de identidade de gênero.
Sugestões didáticas
Articular o aprofundamento teórico sobre as questões que envolvem as diversidades de gênero;
Convidar os profissionais da educação a se colocarem na situação de Bree, analisando suas próprias reações diante das seguintes situações:
1) Você consegue imaginar-se no lugar de Bree? Por quê?
2) Você já pensou na situação de ter um aluno transexual em sala de aula? Como seria? Por quê?
3) Se houvesse rejeição da turma em relação à/ao transexual, como você agiria?
4) O que você entende por transexualidade?
5) O que você poderá fazer, como educador/a e em sua escola, para lutar contra esse preconceito?
6) Solicitar relatos de possíveis vivências sobre o preconceito contra transexuais.
Fazer uma análise de estudos de casos reais trazidos pelos próprios educadores, estimulando-os a apresentar e discutir situações em que se viram eles próprios discriminados ou em que presenciaram pessoas sendo depreciadas e desrespeitadas;
Promover debates com os educadores (as), a fim de que não encarem os comportamentos desviantes da norma cultural como problemas, mas que entendam que não poderão mudar a orientação sexual de seus alunos (as), e, sim, despertar na turma o respeito pela diversidade sexual.
Referências:
ATHAYDE, Amanda V. Luna de. Transexualismo masculino. Arq Bras Endocrinol Metab, São Paulo, v. 45, n. 4, ago. 2001 . Disponível em
CARDOSO, Fernando Luiz. Inversões do papel de gênero: "drag queens", travestismo e transexualismo. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 18, n. 3, dez. 2005 . Disponível em
CARVALHO, Maria Eulina Pessoa; ANDRADE, Fernando Cézar Bezerra; MENEZES, Cristiame Souza. (Orgs). Equidade de Gênero e Diversidade Sexual na Escola: Por uma prática pedagógica inclusiva. João Pessoa-PB: Ed. Universitária / UFPB, 2009.
CARVALHO, Maria Eulina Pessoa; ANDRADE, Fernando Cézar Bezerra; JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Gênero e Diversidade Sexual: Um Glossário. João Pessoa-PB: Ed. Universitária / UFPB, 2009.
MARCIA, Arán; ZAIDHAFT, Sérgio; MURTA, Daniela. Transexualidade: corpo, subjetividade e saúde coletiva. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 20, n. 1, abr. 2008 . Disponível em
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Currículo, conhecimento e cultura; 2008.
REVISTA Nova Escola, nº. 222, Maio de 2009, p. 82 – 85. Abrindo a caixa-preta da Prova Brasil.
Outras Leituras:
HYPERLINK http://www.cinema.cineclick.uol.com.br Acessado em: 07/06/2009.
HYPERLINK http://www.portal.rpc.com.br Acessado em: 07/06/20009
HYPERLINK http://www.letrasdefilmes.com.br Acessado em 08/06/2009.
Maravilhoso ... Parabéns pela atividade e pela possibilidade de discutir as questões de orientação sexual, utilizando a arte como instrumento.
ResponderExcluirLUIZ EDUARDO DOS SANTOS
www.joanadarc.org
Gostei muito da temática do blog,parabéns !!!
ResponderExcluirGostei muito de conhecer esta matéria.
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